Itaguaí: bailarinos premiados vendem empadas para custear competições
O talento, a determinação e o amor pela dança impulsionam os alunos do projeto Corpo Livre, em Itaguaí. Liderados pelo igualmente incansável José Roberto Cristiano Junior, o grupo coleciona dezenas de prêmios em concursos de dança na Região Sudeste com apenas três anos de atividades, intercalados pelo isolamento social forçado pela pandemia. A retomada, por sua vez, foi ainda mais significativa: nos últimos cinco meses, participou de três festivais e obteve resultados vitoriosos. Contudo, são necessários esforços extras para manter o projeto em atividade: a produção e venda de empadas para angariar verba.
Junior começou o trabalho como professor de dança do projeto Mais Educação da escola E e M Chaperó. Inscritos por ele na primeira mostra competitiva da rede municipal de educação de Itaguaí, em 2018, seus alunos ficaram em primeiro lugar nas categorias infantil e juvenil. A turma cursava o nono ano do Ensino Fundamental – a última série da grade curricular daquela unidade escolar. Vendo o interesse dos jovens pela continuidade das aulas e os benefícios por elas proporcionados às suas vidas, ele criou em 2019 o projeto Corpo Livre e passou a ensaiar o grupo na quadra poliesportiva do mesmo colégio, sempre após o horário de funcionamento regular do local, das 18h às 20h.
“O nome já diz tudo: livre para todos os tipos de corpos e idades. Para minha alegria, a maioria quis continuar o curso, com vistas a se profissionalizar”, relembra. Mas, como o novo projeto era autônomo e não tinha aporte financeiro, professor e alunos vendiam sacolés na rua para pagar a inscrição nos festivais e comprar o tecido para a confecção das roupas.
O trabalho envolveu o voluntariado em família: Junior contava com a colaboração da esposa costureira e da tia motorista de van. E deu certo. “Participamos de cinco festivais naquele ano, em municípios diferentes, e vencemos todos, divididos em equipes em categorias diversas e com variadas coreografias, que encantavam o público”, conta. Eles conquistaram o topo do pódio do Unidance e da 1ª edição do Sya in Dancing, ambos em Campo Grande (zona oeste da capital do RJ); da 2ª edição do Sya in Dancing e do Festival Vem Dançar, ambos em Pedra de Guaratiba (idem); e do Festival GW de Belford Roxo.
RETORNO PÓS-PANDEMIA
Em 2020, em função da quarentena, o professor tentou promover aulas on-line, porém sem êxito. “Nem todos os alunos possuíam internet em casa. Isso não só desmotivou uma parte dos alunos como despertou em alguns deles o início de um processo de depressão”, recorda-se. Com a flexibilização do distanciamento social e o uso de máscaras de proteção facial individuais e bastante álcool em gel, a turma voltou às aulas presenciais, em março deste ano, desta vez no terraço coberto da casa de uma das alunas, já que a escola onde ensaiavam continuou fechada por determinação governamental.
“Para esta retomada, passamos a produzir empadinhas. Todos ajudam: um grupo cozinha, outro sai às ruas para vender”, descreve Junior. Com o dinheiro, eles financiaram a participação em um festival em julho em Sepetiba, ocasião em que apresentaram 28 coreografias e levaram 26 prêmios; em agosto em Botafogo, concorrendo com quatro danças que se sagraram vencedoras e ainda garantiram um prêmio extra de melhor escola de dança; e em outubro em Belo Horizonte (MG), onde ganharam três das quatro disputas. Um incrível saldo para jovens recentemente introduzidos neste universo e com tão poucos recursos.
No último dia 23, o projeto obteve mais uma conquista, desta vez com sabor especial: Junior e seus alunos realizaram o sonho de executar a primeira apresentação exclusiva do grupo, em um palco só para eles, no Teatro Municipal Marilu Moreira, de Itaguaí. O espetáculo, intitulado Onde Tudo Começou, recontou por meio da dança a trajetória do Corpo Livre desde 2018.
“Como coreógrafo, me sinto realizado, pois tenho alunos órfãos que só não se entregaram à depressão nem se envolveram com coisas erradas graças à dança. É gratificante ver jovens que nunca dançaram de repente participarem de concursos e vencerem”, exclama. O dedicado professor, que tem 27 anos de idade e 12 de profissão, busca empresas ou pessoas parceiras que, por meio de patrocínio ou colaborações, mantenham o projeto vivo e colhendo frutos. Por ele já passaram 50 alunos, entre cinco e 25 anos de idade.
VIDAS TRANSFORMADAS
Mãe dos alunos Micaella, 19 anos, e Orlando Rafael, de sete, Luana Coelho justifica por que cedeu o terraço de casa para os ensaios: “Eu me orgulho demais em ver um jovem como Junior incentivar outros jovens a cultivar valores, ética, moralidade e principalmente amor pela cultura. Durante o tempo em que se dedica à dança, essa galera fica fora das ruas, sem tempo ocioso para fazer besteira, afinal o mundo está aí oferecendo várias oportunidades negativas. Abraçar e apoiar o projeto é o mínimo que eu posso fazer”, explica.
A bailarina Patrícia Góis, de 19 anos, revela a diferença que o Corpo Livre faz em sua vida. “Expresso com a dança aquilo que não consigo dizer em palavras. Tira de mim os pensamentos e os sentimentos negativos. O projeto me ajudou a não desistir dos meus sonhos. Guardo muito carinho e muita gratidão pelo grupo e pelo professor”, diz.