Professor rompe barreira cultural e ensina dança do ventre em Itaguaí
Antigo ritual feminino de adoração às deusas para preparação ao parto no Oriente Médio e na Ásia Meridional, a dança do ventre atravessou milênios e ganhou não só novas características como ainda adeptos do sexo masculino. E, se ao longo do tempo, deixou de ser praticada somente entre mulheres e se tornou também uma ferramenta de sedução, muitos homens se encantaram tanto que passaram a buscar neste bailar sinuoso – que tenta reproduzir o movimento das serpentes – os benefícios da flexibilidade, da sensualidade e da autoestima.
Entre os brasileiros nesta arte, destacam-se os mineiros Henry Netto e Dudu Calixto, os baianos Rafael Jones e Marcos Ghazalla e o fluminense Max Luiz Costa Fernandes. Nascido em Nova Iguaçu e criado em Belford Roxo, o educador físico de 31 anos ensina dança do ventre há mais de 10 anos e hoje atua como professor em um estúdio de Itaguaí e agente cultural na mesma cidade. Sua trajetória começou aos 16 anos, quando buscou a dança para se curar da depressão causada pela morte da mãe. Foi o primeiro homem a aderir à modalidade oriental naquela escola, em uma turma até então composta somente por mulheres acima dos 40 anos.
“Minha mestra, Cristiane Santos, perguntou pra mim o que eu queria aprender, pois o que ela ensinava era voltado para o público feminino. Eu respondi que me interessava por tudo! Me aperfeiçoei tanto que a professora me escolheu como o primeiro bailarino do grupo. Assim, participamos de muitos festivais. Cresci muito como profissional e ser humano graças a essas mulheres que me acolheram com amor! Somos todos amigos até hoje. Levo-as no coração”, relembra Max.
Porém, a trajetória nem sempre foi fácil. Max sofreu preconceitos não só por praticar uma arte tradicionalmente feminina como por ser negro e homossexual. “Era chamado de ‘viadinho’, ‘bichinha’ e outras palavras de baixo calão. Passei a ser respeitado quando deixei de ser aluno e me tornei professor. Hoje, quando ministro aulas, o comportamento das pessoas curiosamente muda. A vida me ensinou a ser forte”, desabafa ele, premiado como melhor bailarino em um concurso da antiga Casa da Cultura de Nova Iguaçu (hoje teatro) em 2014, ocasião em que era o único homem da competição.
DESENVOLVIMENTO PESSOAL
O professor conta que sua metodologia é voltada para o bem-estar físico e mental dos alunos, e não em forma novos dançarinos profissionais. “Ser professor é isso: olhar a essência do ser humano, cuidar dela e fazê-la evoluir”, exclama.
Entre os benefícios da dança do ventre apontados por Max estão a ajuda no emagrecimento, o fortalecimento da musculatura, o desenvolvimento da feminilidade e também a convivência social.
“A dança do ventre lhe dá a liberdade de ser você mesmo, no seu padrão físico, social e econômico, sem distinção de gênero. Hoje em dia não é mais tabu um homem dançar um estilo feminino. A arte existe para todos que queiram libertar seus anseios e angústias em forma de energia positiva aos que lhe rodeiam”, garante.
APOIO DE COLEGAS E ALUNAS
Dono do estúdio de dança que leva seu nome e onde Max leciona, no Centro, Jailson Trevysani não poupa elogios ao professor.
“Em 20 anos de profissão, não havia ainda conhecido um homem que desse aula de dança do ventre, e me surpreendi muito positivamente. Mas me encantei tanto que o convidei imediatamente para trabalhar comigo. Além de ser um profundo conhecedor das técnicas e da história da modalidade, é um ser humano forte e determinado, que vence preconceitos com seu grande talento”, afirma Trevysani.
O empresário e professor conta que a aceitação da turma também foi imediata. “Max consegue despertar nas alunas a sensualidade e a autoestima inerentes à dança do ventre e que são conquistas desejadas por toda mulher”, assegura ele, que já derruba barreiras culturais em outros estilos, como as aulas de pole dance – também tradicionalmente feminino – ministradas pelo professor Júnior Sá.
A HISTÓRIA DA DANÇA
De origem primitiva e nebulosa, datada entre 7000 e 5000 antes de Cristo, a dança do leste ou do estômago – sua tradução primária – criou bases no Antigo Egito, na Babilônia, Mesopotâmia, Pérsia e Grécia. Com a invasão dos árabes, foi propagada por todo o mundo. A expressão “do ventre” surgiu na França, em 1893. É composta por uma série de movimentos vibrantes, impactantes, ondulações e rotações que envolvem o corpo como um todo.
A dança de ventre começou a ser vista como profissão na década de 1920, época do nascimento do cinema e do teatro, e revelou as talentosas Nemat Mokhtar, Naima Akif, Taheya Carioca e Samia Gamal. Estas bailarinas que fizeram história foram treinadas por homens, como Ibraheem Akif. Em muitas cenas de filmes ainda mudos, também podemos ver a participação masculina em números de dança – não como bailarinos, mas personagens que dividem a cena.
Na atualidade, por seus aspectos sensuais exóticos, foi excluída de alguns países mais conservadores – como no Egito, onde foi declarada ilegal nos anos 1950. Depois de uma revolta popular, o governo revogou a proibição com uma condição: que os dançarinos não mostrassem mais suas barrigas. Essa lei continua em vigor. Há hoje vários bailarinos egípcios de renome no meio da dança do ventre, que fazem sucesso internacional, dentre eles Tommy King, Tito Seif, Miro e outros.
Recentemente, fundamentalistas islâmicos radicais conseguiram remover a dança do ventre da programação televisiva e aterrorizaram restaurantes e casas noturnas que apresentavam a arte. Dançarinos famosos adeptos à modalidade se aposentaram ou se mudaram para outros países.