Bilhete com suposta bula da vacina contra Covid para crianças circula em Itaguaí

Circula em Itaguaí um bilhete apócrifo (de autoria desconhecida) que enumera possíveis efeitos colaterais da vacina contra a Covid-19 em crianças. Além disso, há relatos de que servidores municipais da Saúde estariam recomendando a espera de 20 minutos para liberação de crianças vacinadas para voltar para casa, sob a alegação de verificar possível reação adversa a fim de encaminhá-la para o Hospital São Francisco Xavier.
Tanto o bilhete quanto a suposta recomendação somam-se à polêmica em torno de um termo de responsabilidade que a prefeitura estaria exigindo de pais que levam os filhos para vacinar, além de cópia de documentos para anexar ao termo assinado. O termo é dispensável se os pais levam os filhos, diz o Ministério da Saúde. A exigência pode estar alarmando pais não muito convencidos da segurança da vacina.
O bilhete apócrifo e a recomendação podem estar contribuindo ainda mais para este alarme dos pais, que se tornam ainda mais resistentes a levar as crianças para vacinar.
Uma reportagem do RJTV exibida na segunda-feira (24) mostrou que a exigência do termo de responsabilidade, nos moldes que tem sido aplicada em Itaguaí, será investigada pelo Ministério Público Estadual. À TV Globo a prefeitura disse que segue com os protocolos oficiais.

Uma foto do bilhete apócrifo foi publicada por um leitor em um comentário na postagem do jornal ATUAL no Facebook.
A matéria do ATUAL traz o link para a reportagem que mostra o incentivo da Prefeitura de Itaguaí à vacinação infantil contra a Covid-19 mediante a pouca adesão da população. Há motivos para supor que a baixa adesão pode ter origem no medo dos pais de alguma reação adversa da vacina.
Outros comentários na postagem deixam claro: a desinformação, aliada a um protocolo discutível da prefeitura, aumentam o medo dos pais.
PALAVRAS DIFÍCEIS E “20 MINUTOS”
O texto do bilhete apócrifo é o seguinte: “POSSÍVEIS SINTOMAS / Ex: dor, (inchaço, vermelhidão no local da injeção) e sistêmico (por exemplo, febre, fadiga, dor de cabeça, calafrios, mialgia, artralgia) outras reações após vacinação como linfadenopatia axilar localizada no mesmo lado do braço vacinado foi observada após vacinação. AVISO: Pais ou responsáveis sejam orientados a procurar o médico se a criança apresentar dores repentinas no peito falta de ar ou palpitações após a aplicação da vacina”.

Supostamente assinado por Ioná da Mota Araujo Clemente, coordenadora da ESF de Chaperó, o bilhete – com erros de pontuação – não é reconhecido pela prefeitura, conforme nota que o ATUAL recebeu por e-mail, de apenas uma frase: “A Secretaria Municipal de Saúde esclarece que não autorizou a distribuição de nenhum bilhete informativo acerca dos sintomas da vacina infantil contra a Covid-19”.
A nota, assim como o bilhete, erroneamente usa a palavra “sintoma” em vez de “efeitos colaterais”, mas nega que o aviso seja autorizado pela secretaria.
O leitor que publicou a foto afirmou ao ATUAL que uma amiga recebeu o bilhete, e que ela foi orientada a esperar 20 a 30 minutos na unidade depois da aplicação da vacina no seu filho para fins de “observação” de possíveis efeitos colaterais.

O bilhete usa termos desconhecidos pelos leigos, como “artralgia” e “linfadenopatia”, o que contribui para provocar (ou aumentar) uma sensação de insegurança.
Mesmo que não esteja sendo distribuído dentro das unidades de saúde municipais e que a autoria seja desconhecida, é certo que o bilhete já circula nas redes sociais e é compartilhado por muita gente que nega ou não acredita na eficácia ou segurança das vacinas.
A obrigatoriedade da assinatura do termo já mostrada no RJTV, a circulação do bilhete e a recomendação de aguardar os “20 minutos” podem estar contribuindo muito para a baixa adesão à vacinação infantil em Itaguaí.
SECRETARIA ESTADUAL E PFIZER
O ATUAL procurou a Secretaria Estadual de Saúde para comentar sobre o bilhete que circula em Itaguaí, mas não obteve qualquer resposta até o momento.
A pedido da reportagem, a farmacêutica Pfizer enviou a seguinte nota: “Com relação ao questionamento do jornal ATUAL sobre suposto bilhete informativo da vacina ComiRNAty, contra a COVID-19, produzida pela Pfizer e BioNTech, distribuído em posto de saúde, esclarecemos: A Pfizer não interfere ou opina na forma que os postos de vacinação se comunicam com seus públicos. A bula do imunizante da Pfizer e BioNTech, contra a COVID-19, com todas as informações, sua composição e potenciais eventos adversos está disponível ao público no link https://www.pfizer.com.br/bulas/comirnaty”.
BULA É DIFERENTE
O ATUAL obteve junto a fontes do governo municipal informações de que o bilhete seria uma cópia da bula da vacina, mas de acordo com a nota da Pfizer (fabricante da vacina que tem sido aplicada em crianças), há diferenças significativas.
Esta é a parte da bula que a Pfizer divulga a respeito de possíveis – e raros – efeitos colaterais: “Casos muito raros de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação do revestimento exterior do coração) foram relatados após vacinação com Comirnaty. Normalmente, os casos ocorreram com mais frequência em homens mais jovens e após a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. Geralmente são casos leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso. Após a vacinação, você deve estar alerta para sinais de miocardite e pericardite, como falta de ar, palpitações e dores no peito, e procurar atendimento médico imediato, caso ocorram. [grifos do jornal ATUAL]
A bula da vacina da Pfizer menciona casos raros em homens jovens e que se recuperam em pouco tempo, ao contrário do bilhete.
VACINAR CRIANÇAS É SEGURO
Reportagem da Agência Brasil (https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-01/covid-19-fiocruz-investiga-hesitacao-de-pais-em-vacinar-criancas) reforça que vacinar crianças é seguro.
De acordo com a matéria, uma das mais respeitadas instituições de saúde no mundo, a Fiocruz, ressalta que a vacinação de crianças de 5 a 11 com a vacina da Pfizer é segura e eficaz, e conta com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e outras autoridades sanitárias do mundo, como a dos Estados Unidos, onde 8,7 milhões de doses já foram aplicadas nessa faixa etária.
Coordenadora de um estudo sobre a eficácia e segurança da vacina, a pediatra e pesquisadora clínica do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, Daniella Moore, cita dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos que mostram que vacinação de crianças é segura e transcorre naquele país com a ocorrência de cerca de 4 mil eventos adversos, sendo 97% leves, entre as mais de 8 milhões de doses aplicadas.
“O relatório mostra que aproximadamente 8,7 milhões de doses da vacina Pfizer-BioNTech Covid-19 foi administrada em crianças nessa faixa etária durante o período de 3 de novembro a 19 de dezembro de 2021. Dessas 8,7 milhões de doses, foram notificados 4.249 eventos adversos, o que representa apenas 0,049% das doses aplicadas. A grande maioria (97,6%) dos efeitos notificados foi leve a moderado, como dor no local da injeção, fadiga ou dor de cabeça. Ou seja, a vacina é, de fato, segura e os dados comprovam a sua segurança, mostrando, na sua maioria, efeitos adversos que mães e pais já têm experiência em lidar com outras vacinas do calendário vacinal”, conta Daniella.
DOENÇA É PIOR QUE A VACINA
A pesquisadora ressalta que a ocorrência de miocardite, que é uma inflamação do músculo cardíaco, foi registrada em 11 crianças dessa faixa etária que foram vacinadas, e todas se recuperaram. A complicação é um dos principais medos citados por pais que hesitam em vacinar seus filhos, mas a pediatra lembra que a Covid-19 também pode causar essa inflamação, especialmente quando a doença evolui para um quadro de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica.
“Alguns pais subestimam a gravidade da doença em crianças. No entanto, apesar da Covid-19 ser considerada menos grave em crianças quando comparada a adultos, elas ainda assim ficam doentes, podem ficar graves e ter evoluções desfavoráveis”, alerta Daniella.
No ano passado, foram hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) associada à Covid-19 quase 20 mil crianças e adolescentes. Segundo levantamento realizado pela Fiocruz, 1.422 menores de idade morreram vítimas pela Covid-19 até o dia 4 de dezembro do ano passado, sendo 418 em menores de 1 ano; 208, de 1 a 5 anos; e 796, de 6 a 19 anos.
Ou seja, é muito mais perigoso não vacinar: a Covid-19 pode causar um mal muito maior do que qualquer possível – e raro – efeito colateral da vacina.