Viagens suspeitas e dispendiosas motivam prisão de três expoentes da política de Mangaratiba
CRISE INSTITUCIONAL Em meio a uma campanha para a eleição suplementar de outubro próximo, o clima político em Mangaratiba foi sacudido mais uma vez na última sexta-feira (31) pela decisão da Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Polícia Civil de desencadear uma operação para prender o prefeito interino Vitor Tenório dos Santos, o Vitinho; o ex-prefeito e atual vereador, Edison Ramos, o Edinho; e o ex-presidente da Câmara Municipal de Mangaratiba (CMM), Pedro Bertino Jorge Vaz. Eles são acusados de dispensa indevida de licitações e de desvio de recursos públicos da ordem de R$ 17.182.755,33.
A prisão dos três políticos decorreu de investigações deflagradas no dia 20 de agosto com base em graves denúncias de mau uso do dinheiro público. O MPRJ sustenta que, de janeiro de 2010 até agosto de 2017, o órgão legislativo gastou R$ 17.182.755,33 com viagens de vereadores e servidores. Como não foram encontrados pela Polícia Civil nesta sexta-feira, Vitinho, Edinho e Pedro Bertino já são considerados foragidos. Durante a operação, os policiais apreenderam documentos nos endereços dos denunciados, além de duas armas que estavam na residência de Edinho. Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), no período investigado os denunciados autorizaram 6.691 diárias a si próprios, a vereadores e a servidores da CMM para participação em eventos e cursos realizados nos finais de semana, fora do estado, em cidades nordestinas com reconhecida vocação turística, como Salvador, Maceió, Fortaleza, Recife, Natal e Porto Seguro. Ainda de acordo com a denúncia, esses eventos não tinham relação com o interesse público, servindo para mascarar a real finalidade dos pagamentos, que era a de promover indevido acréscimo remuneratório aos agentes em detrimento aos cofres públicos, além de vantagem econômica a empresários beneficiados pelo esquema criminoso.
Para o ano de 2018, o então presidente da CMM e atual prefeito interino Vitinho já havia autorizado o empenho de R$ 1 milhão para gastos com viagens de vereadores e servidores da CMM, conforme levantamento do TCE/RJ. O relatório técnico da Corte de Contas destacou o caso de um servidor, cujas despesas para participação em um curso custaram aos cofres públicos a exorbitante quantia de R$ 625.518,42. Esse gasto chama ainda mais a atenção quando comparado àquele com um curso de mestrado em Administração Pública em uma renomada instituição como a Fundação Getulio Vargas, do Rio, que, a toda evidência, possui maior complexidade acadêmica, que custaria menos de R$ 60 mil.
Para o MPRJ, esquema focava em eventos sem interesse público
Não é de hoje que a participação de vereadores em congressos se tornou um verdadeiro ralo para o qual escoam recursos públicos em direção ao bolso de políticos inescrupulosos. No caso de Mangaratiba as autoridades detectaram que as contratações das organizadoras dos eventos foram realizadas com dispensa de licitação e sem as formalidades de praxe, em favor sempre das mesmas empresas, Cebas, Cetram, Cebras, Ibram, Ceplan, Cebam, Falcão Centro de Capacitação e Treinamento LTDA e Idap. Os relatórios do TCE/RJ são taxativos ao afirmar que todas as dispensas licitatórias violaram a Lei de Licitações. O plenário da Corte detectou a existência de fortes indícios de malversação de recursos públicos, no que tange às despesas realizadas pela CMM com eventos de capacitação fora do estado do Rio, com perpetuação deliberada do dano ao erário.
Segundo as investigações, as viagens, com pagamentos de hospedagem em resorts de luxo e altas diárias extras, fazem parte de esquema segundo o qual empresas vendem pacotes de viagens para participação em cursos sem interesse público. De acordo com o MPRJ, os denunciados estão incursos nos artigos 288 (associação criminosa) e, repetidas vezes, no 312 do Código Penal (apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio), além do artigo 80 (89) Lei 8.666/93 (dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade).
O Tribunal de Justiça acolheu requerimento do MPRJ para deferir mandados de prisão preventiva dos denunciados, busca e apreensão na CMM, na Prefeitura de Mangaratiba e na residência dos citados, além da quebra de sigilo de dados. O MPRJ obteve ainda a suspensão dos vereadores denunciados do exercício das funções públicas, bem como sequestro de bens móveis e imóveis, bloqueio de valores e a interrupção imediata das ordens de empenho e pagamento aos vereadores, servidores e empresas citadas, quando referentes às diárias e contratações dos pacotes de viagens, presentes e futuros, nos moldes descritos na denúncia.
Pedidos de prisão deixam dúvidas sobre titularidade do poder
A ação contra o prefeito interino Vitinho desencadeou uma série de dúvidas no que tange à titularidade do Poder Executivo caso os mandados de prisão sejam efetivamente executados. A Lei Orgânica do Município de Mangaratiba determina que em caso de impedimento do prefeito e do vice-prefeito, ou de vacância do cargo, assume a administração municipal o presidente do Poder Legislativo, função atualmente exercida, de modo interino, pelo vereador Carlos Alberto Ferreira Graçano, o Charlies da Vídeo Locadora (PTN).
Entretanto, há um entendimento de que, no caso, somente um presidente eleito pode cumprir esse papel, o que exige a realização de uma nova eleição para a mesa diretora. Dessa forma, caberá ao juiz titular da Comarca de Mangaratiba assumir o cargo de prefeito até que uma nova eleição no Legislativo seja realizada.
Consultado pelo ATUAL, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro que em relação à posse, trata-se de uma atribuição do Poder Legislativo, a quem cabe também fornecer essas informações. A reportagem procurou o vice-presidente da CMM para saber quem ocuparia a cadeira de prefeito. O vereador Charlies da Vídeo Locadora disse que até a tarde dessa segunda-feira não tinha recebido qualquer comunicação sobre um eventual afastamento de Vitinho do cargo, gerando como efeito prático a paralisação de quaisquer trâmites que necessitam da assinatura do chefe do Executivo.