Crianças podem frequentar academia, mas sob supervisão
O que antes era um tabu, se torna mais frequente a cada dia. E as principais respostas às dúvidas sobre o assunto vieram à luz por divulgação oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Sim, criança pode malhar em academia, é o que assegura a entidade que congrega e representa os médicos especialistas em saúde infantil. Contudo, há o alerta: não pode ser de qualquer jeito, nem sozinhas, sem a supervisão direta de um profissional de Educação Física experiente.
A atual gestão da cidade de Itaguaí tem incentivado a prática esportiva de crianças com o programa “Itaguaí em Movimento”. Mas será que, com o grande número de academias na cidade e com a anuência da SBP, haverá uma corrida de pais e responsáveis para matricularem seus filhos para fazerem musculação?
EM ITAGUAÍ SIM
O educador físico Rômulo Maia, de 33 anos, vive e trabalha na cidade de Itaguaí. Ele é especialista em treinamento de força e já treina duas crianças. Ele ratifica que o benefício principal não é estético, mas a melhoria da saúde física e mental.
“Priorizo a coordenação motora e o aumento do repertório de movimentos. Em consequência, a liberação hormonal favorece um crescimento mais fortalecido e articulado. Há algum um tempo acreditava-se que os aparelhos da academia interferiam no desenvolvimento do jovem em sua fase de crescimento, mas é estilo de vida sedentário que vem atrofiando as crianças. O exercício físico é um momento de desligamento dos jogos eletrônicos, do computador e do celular”, explica o profissional.
Sobre o diferencial do trabalho com esta faixa etária, o professor diz que a musculação não é a mesma de um adulto, inclusive por não haver aparelhagem específica para a estatura dos pequenos. “Os aparelhos de musculação não foram feitos pensando na estatura de crianças, por isso poucos equipamentos são utilizáveis. Dou preferência aos pesos livres (halteres, barras, anilhas) e ao peso corporal. E jamais levo um menor até à exaustão muscular, pois é desnecessário. Além disso, as atividades lúdicas, como brincar de amarelinha e arremessar bolas na caixa para aquecimento, divertem e dão resultado”, descreve ele.
OS MENORES NA ACADEMIA
Yudi Okasaki tem 11 anos e é um dos alunos do educador físico Rômulo em Itaguaí. O menino começou a frequentar a academia em 2021 para reduzir as taxas de gordura e açúcar no sangue. Incentivado pela irmã, Nathália Tokiko, de 24, o caçula hoje é quem inspira a própria mãe, a comerciante Simone Coelho da Silva Okasaki, 48 anos, e os colegas da mesma idade a saírem da frente do computador e do celular para se exercitarem e comerem melhor. Suas atividades são supervisionadas por um educador físico e sua alimentação tem o acompanhamento regular de uma nutricionista.
“Depois que meu filho entrou para a academia e os benefícios apareceram, outras crianças se interessaram a acompanhar as mães na musculação. Ele, que estava acima do peso ideal e pré-diabético, ganhou mais disposição para as atividades rotineiras. Conciliou até a prática da natação, um esporte que ele adora. Yudi está muito consciente dos cuidados com a própria saúde e da importância da dieta alimentar: ele lê o rótulo de tudo antes de consumir”, revela Simone.
O engenheiro Willian Diniz Maia conta que o filho Diego, de 13 anos, faz atividades físicas regulares e supervisionadas visando à saúde desde os seis anos de idade, após passar por duas cirurgias no cérebro para a retirada de um tumor do tipo ependinoma, além de sessões de radioterapia e tratamentos alternativos. Entre a prática do vôlei na infância e os exercícios em academia – iniciada há poucos meses – houve a pandemia, o sedentarismo durante o isolamento social e o ganho de peso.
“Ele malha três vezes por semana para perder peso, ganhar massa muscular e melhorar a postura. Sempre o acompanho e malho junto. O professor é ótimo, a academia é pequena e bem equipada, e o acompanhamento profissional é contínuo. Eu e o professor ficamos sempre de olho no Diego para que não aumente a carga por conta própria. Mas ele também é um garoto muito ciente”, garante.
A SBP
Segundo o Departamento Científico de Medicina do Esporte da SBP, é permitido o início da musculação em crianças pré-púberes, ou seja, antes da puberdade – momento de transição para a idade adulta, quando o corpo passa por intensas modificações – que ocorre nas meninas entre 8 e 13 anos e nos meninos em torno dos 9 aos 14 anos. Mas a atividade precisa ser adaptada à idade do praticante. Segundo o pediatra Carlos Eduardo Reis da Silva, especialista em medicina do esporte, a musculação na infância “é benéfica à saúde como um todo. Mas o maior ganho desta prática é a criança estar envolvida com uma atividade física”.
Contudo, existem profissionais da área que ainda preferem buscar outros caminhos, como esportes e exercícios aeróbicos, por questão de cautela máxima. É o caso da educadora física Márcia Monteiro: “Para combater a obesidade e o sedentarismo, é indicada a prática de atividade física em qualquer idade, mas sempre com a orientação de um profissional de Educação Física. Exercícios funcionais são super bem-vindos, mas eu não recomendo a prática de musculação antes dos 16 anos por temer que o adolescente, que está em processo de amadurecimento das articulações e da musculatura, tente fazer as séries sozinho, ou não seja supervisionado corretamente, e um único momento de descuido pode causar danos futuros irreversíveis”, alerta ela, que atua como personal para públicos de faixas etárias diversificadas.
DESMITIFICAÇÃO É ANTIGA
A crença popular de que a prática da musculação por crianças seria prejudicial ao desenvolvimento focava principalmente no risco de fraturas e, por conseguinte, na paralisação do processo de crescimento. Entretanto, estudos americanos publicados nos anos de 1976 e 1982 – e pouco difundidos no Brasil – demonstraram que danos musculoesqueléticos acontecem somente com levantamentos máximos de repetição e acima dos ombros. Portanto, não haveria evidências de malefícios em treinos com pesos supervisionados.
A confirmação veio por meio de um seminário da Sociedade Ortopédica Americana para Medicina Esportiva, realizado em Indianápolis (EUA) no ano de 1985, que concluiu e decretou que “o treinamento de força para meninos e meninas pré-adolescentes é seguro com supervisão, instrução e programa de treinamento adequadamente planejado”.
Também é consenso da comunidade médica internacional que competições de levantamento e tentativas de verificar o máximo de carga que uma criança pode suportar não são recomendados. O foco dos programas deve ser o domínio técnico dos movimentos antes de se utilizarem as sobrecargas nos exercícios.