Pedágio na Rio-Santos faz moradores de Itaguaí atrasarem contas
Quem mora em Itaguaí e trafega pela Rio-Santos (BR-101) para cumprir as mais diversas tarefas tem se sentido naquela situação de cobertor curto: o pé fica descoberto quando se tenta cobrir a cabeça. Isso porque, sob o aspecto financeiro, curto tem sido o dinheiro, insuficiente para pagar o pedágio e ao mesmo tempo arcar com outras despesas da família.
O ATUAL conversou com três moradores, que relataram ter gastos mensais entre R$ 200 e R$ 400 com a tarifa de R$ 4,10 (para veículo de passeio) do free flow (fluxo livre). Tal realidade – em vigor desde 31 de março com o início da cobrança – já provoca atrasos de contas importantes, como fatura do cartão de crédito, plano de saúde e até mensalidade escolar.
A preferência pelo pagamento do pedágio, claro, tem motivação financeira: o condutor que passa pelo pórtico e não paga em até 15 dias recebe da CCR RioSP, concessionária da rodovia, uma multa no valor de R$ 195,23 – além de cinco pontos na CNH (Artigo 209 do Código de Trânsito Brasileiro).
CONTAS EM ATRASO
Os três moradores que a reportagem ouviu são de Itimirim, um sub-bairro de Coroa Grande, área extremamente afetada pelo pedágio, pois lá está instalado, no km 414, um dos três pórticos do trecho da BR-101 sob gestão da CCR RioSP – os outros dois ficam em Paraty (km 538) e Mangaratiba (km 447).
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Um destes moradores é Raphael Cendon, taxista e um dos líderes do movimento “Não ao pedágio! Isenção para moradores”, que desde o ano passado realiza manifestos na rodovia e busca apoio político a fim de garantir aos munícipes o benefício de passar pelo pedágio sem pagar – isenção, atualmente, só para motociclistas e carros oficiais.
Raphael, que mora com a esposa e a filha de 8 anos, revela que gasta entre R$ 300 e R$ 400 por mês com as tarifas. Com isso, já viu boletos vencerem, como plano de saúde e mensalidade do colégio da menina: “Não estávamos contando com essa despesa extra, já que somos obrigados a pagar pedágio para chegar em casa e sempre saímos mais de uma vez por dia”, explica ele, completando:
“Acerto a escola depois. Vou pagar o plano até o fim desta semana, porque se a gente não pagar, eles cancelam”
Raphael Cendon, taxista e líder do movimento pela isenção
Nesse cobre daqui e descobre dali, sobrou até para a pequena Letícia: “Deixei de fazer uma festinha de aniversário da minha filha em junho por ter que pagar o pedágio”, relembra Raphael. Ele destaca que nem o desconto progressivo que a concessionária oferece alivia a situação.
ATRASO DE DOIS MESES
Quem também tem encontrado dificuldades para estar em dia com as despesas é Alessandro Vianna, morador de Itimirim há 30 anos. No caso dele, o que tem se acumulado são as faturas do cartão de crédito: “Meu cartão está há dois meses atrasado. Se não pagar o pedágio, perde-se muito mais. Então tenho que deixar o cartão até me aprumar”, reitera ele, que tem um gasto médio com pedágio de R$ 200 para uma família de três pessoas.
Boa parte deste valor é referente a viagens ao Rio de Janeiro, onde ele visita a mãe e leva a filha ao médico. Se usasse o carro para trabalhar, observa o aposentado Alessandro, seria pior.
“Carro só para as coisas básicas. Para você ver como está difícil”
Alessandro Vianna, aposentado
Já Maria da Glória fala em uma despesa de R$ 400 apenas com as cobranças de tarifa. Isso porque um dos negócios da família de seis integrantes são duas kombis para transporte coletivo na Rio-Santos.
Maria ainda não precisou atrasar contas imprescindíveis, mas também vê o pedágio refletir negativamente na rotina do lar. Com o marido recém-saído de uma longa internação em UTI, onde ficou entubado, ela precisa de uma nova lavadora de roupas, pois a antiga não tem dado conta do maior volume de lavagens: “Tivemos que adiar a compra de uma nova lavadora. E com meu marido acamado, estou precisando lavar edredom e mais roupa de cama todos os dias no tanque”.
PODE PIORAR
Também tem feito parte do cotidiano do morador itaguaiense um pensamento famoso, mas de autoria desconhecida: “Nada está tão ruim que não possa piorar”. Ou seja, o cobertor que hoje já não cobre tudo, pode ficar ainda mais curto.
Alessandro, por exemplo, é sincero: “Estou com medo de me enrolar mais ainda”.
Já Raphael fala em cortes e prioridades: “Se não ganharmos a isenção, terei que cortar despesas. Já estou até pensando em cancelar meu plano de saúde e dar prioridade a colocar comida dentro de casa”.
ARRECADAÇÃO DA CCR
O ATUAL também entrou em contato com a CCR RioSP para apurar quanto a concessionária arrecada por mês somente com veículos com placa de Itaguaí. Inicialmente, a assessoria de imprensa da companhia pediu para que a reportagem procurasse a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), responsável pela regulação de rodovias federais.
A ANTT retornou afirmando que a “demanda deve ser direcionada à concessionária”. Após nova abordagem, a CCR RioSP respondeu que “os dados estão em processo judicial, ou seja, são da empresa”.
O processo judicial em questão tramita desde janeiro e corresponde a uma ação da Prefeitura de Itaguaí contra a CCR a fim de conseguir a isenção para moradores. Raphael Cendon conta que o advogado que representa o grupo de manifestantes teve acesso ao documento, no qual estariam os ganhos – confira imagens abaixo.
Em abril, foram mais de R$ 596 mil. Já em maio, mais de R$ 359 mil. Parte desse valor, de acordo com o contrato, deve ser convertida em melhorias para a rodovia e para quem reside no entorno.
Mas ainda que haja previsão de melhorias para o futuro, é o presente que tira o sono dos moradores. E enquanto tentam se cobrir como podem, aguardam uma decisão judicial favorável e não deixam de se indignar: “O juiz (Mauro Luiz Rocha Lopes, da 2ª Vara Federal do RJ) que indeferiu o processo alegou que temos outras opções para sair de casa sem pagar o pedágio. Mas que opção é essa? Voar?”, questiona Maria da Glória.