Moradores de Itaguaí criticam manutenção da MRS na linha férrea
O que deveria ser um encurtador de caminho tem se tornado risco permanente para quem reside em Itaguaí. Afinal, não é de hoje, garantem moradores, que a linha férrea para trens de carga que corta a cidade, sob administração da MRS Logística, carece de manutenções mais regulares.
Em conversa com o ATUAL, o engenheiro civil Átila Delliveneri e o taxista Raphael Cendon – que cruzam os trilhos diariamente, de carro ou a pé, para diferentes atividades – enumeraram e registraram uma série de problemas perceptíveis ao longo dos cerca de 40 quilômetros de via entre Itaguaí e Mangaratiba – já que os desacertos se estendem à cidade vizinha.
Segundo Átila, morador do Frontal das Ilhas, falta um alerta sonoro em várias passagens de nível, o que representa risco para quem atravessa os trilhos: “Várias crianças passam por esses lugares para pegar o ônibus escolar. Elas se distraem com o celular, e aí já é um acidente anunciado”.
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O engenheiro observa ainda um outro problema que pode não ter relação direta com falta de manutenção, mas não deixa de levar dor-de-cabeça, sobretudo, a quem mora em casas às margens dos trilhos: “Os vagões espalham muita poeira de minério. Nas grandes ventanias, comuns na nossa região, temos um banho de poeira. E existe [um material chamado] aglomerante que evita isso”.
Já Raphael aponta a altura da vegetação ao longo dos trilhos – que, de acordo com imagens, chega a dar um ar de abandono à linha – como uma das principais preocupações: “A falta de limpeza da linha, com a roçada do mato, é um dos problemas mais graves. Isso dificulta a visualização se o trem está vindo ou não”.
RISCOS DE ACIDENTES
E se a visibilidade é baixa, inversamente proporcional é o risco de acidentes. Átila salienta que, além de árvores e matagais, alguns trechos sofrem ainda com escuridão: “Da ponte do Itimirim até 100 metros após a passagem de nível falta iluminação à noite.
Os trens nem sempre buzinam, e o trem de apoio passa em alta velocidade. É difícil vê-lo”.
Átila Delliveneri, morador do Frontal das Ilhas
Raphael acrescenta: “O mato alto por toda a linha coloca em risco a vida de maquinistas, que podem não ver as placas de sinalização, e dos pedestres que cruzam os trilhos”.
Outro motivo de temor entre os moradores é a má conservação dos dormentes, muitos deteriorados, sem parafusos e até ausentes: “Esse é o maior dos problemas. Os trens cada vez mais pesados e sobre trilhos sem dormentes fazem aumentar a trepidação das casas próximas. Sem falar em um descarrilamento dos vagões”, ressalta o taxista.
RELATOS DE ACIDENTES
O próprio Átila recorda que, mesmo que há quase oito anos, testemunhou um acidente fatal na linha: “Em 2014, vi quando um gol branco foi arrastado pelo trem. O motorista, que estava ensinando a namorada a dirigir, morreu de infarto dentro do carro”.
Em relação a períodos mais recentes, a própria MRS divulgou no ano passado um balanço sobre o primeiro semestre, período em que registrou três ocorrências em Itaguaí: dois abalroamentos (choque entre veículos rodoviários e o trem) e um atropelamento – em Mangaratiba, não houve acidentes.
Já em janeiro deste ano, um jovem de 22 anos morreu após colidir de moto com um trem de carga.
OUTROS RISCOS
Fora o risco de acidentes graves, uma manutenção deficiente, como a da MRS, segundo os moradores, também gera outros problemas:
“Tem o perigo de pessoas se esconderem no meio do mato para assaltar ou estuprar quem atravessa a ferrovia”
Raphael Cendon, morador do Itimirim
Morador do Itimirim, o taxista explica ainda que, pela falta de poda, a vegetação obstrui um canal próximo. Aliás, ele alega que solicita limpeza à empresa há cerca de dois anos.
E neste período sem o devido aparo, transtornos não faltaram: “Já vieram e constataram que falta limpeza. Mas até agora nada”, lamenta o morador, completando: “Nas chuvas de janeiro, entrou água no meu quintal por falta de limpeza. Em 2022, a água veio na altura da cintura pelo mesmo motivo”.
TRECHOS MAIS CRÍTICOS
Segundo Átila, o trecho itaguaiense de linha férrea mais crítico fica entre o Frontal das Ilhas e Vila Geni: “Por causa do grande fluxo de transeuntes e de turistas no verão”.
Já Raphael cita dois trechos. Em Itaguaí, entre a Praça do Golfinho e o Frontal. Já em Mangaratiba, o cenário fica pior do Castelinho à Fazenda Muriqui por conta de uma ponte: “Foi reformada há pouco tempo, mas já está cheia de ferrugem, colocando a vida dos pedestres em risco”.
E A MANUTENÇÃO?
Diante dos relatos dos moradores, a reportagem procurou a MRS. Sobre a visibilidade, a empresa informou que a “data da última retirada de mato alto foi no mês de março”.
Raphael, no entanto, enviou fotos do último dia 4, nas quais é possível ver trechos com a vegetação alta, inclusive, dificultando a possibilidade de uma placa de sinalização ser avistada – confira esse e outros problemas na galeria acima
A visibilidade irregular e outras precariedades na via férrea, enfatiza Átila, são frutos de uma ausência constante de equipes da concessionária na região: “Raramente aparecem. Só fazem a manutenção corretiva, mas não a preventiva”.
MAIS SOBRE A NOTA DA MRS
Quanto à periodicidade, a MRS assegura que disponibiliza “equipes de manutenção 24 horas por dia em toda área de atuação” e que realiza serviço de manutenção em Itaguaí “a cada três meses” – além das demandas recebidas pelo 0800 979 3636.
Sobre acidentes, a nota da empresa menciona o acidente com o motociclista de 22 anos em janeiro passado.
A concessionária destaca ainda que “segue normas e padrões com alto grau de exigência no que diz respeito a metodologias, mão de obra e equipamentos necessários”. E que o “órgão regulador e fiscalizador é o responsável pelas inspeções anuais, que atestam a qualidade de nossas manutenções e ativos”.
ANTT RESPONDE
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o órgão fiscalizador, informou ao ATUAL que realizou inspeção na linha férrea, na altura de Itaguaí e Mangaratiba, no fim de fevereiro passado.
Após a averiguação, a agência afirma ter constatado “plataforma tomada pela vegetação, com bombeamento do subleito e drenagens obstruídas”, além de “taludes que podem ser considerados como inexistentes, entre os KMs 27 e 63, ocorrendo apenas nos oito quilômetros iniciais de aproximação da Ilha Guaíba”.
Diante das constatações, a ANTT informou que notificou a MRS, com a possibilidade de futura multa no valor de R$ 3.006.875.