“Emoção tamanha”, vibra professora de Itaguaí com lançamento do primeiro livro
Aos 42 anos, Aline Lourenço atravessa hoje, segundo sua própria definição, um “momento feliz”. Cria de comunidade no bairro Senador Camará, Zona Oeste do Rio de Janeiro, ela reside desde 2018 em Itaguaí, onde se divide entre dois prazeres: viver em uma cidade cercada de natureza e lecionar – a professora de Língua Portuguesa e Literatura concursada dá aulas nas escolas municipais Eider Ribeiro Dantas e Vereador José Galliaço Prata.
Mas esta fase dos sonhos ficou completa mesmo só no último dia 30 de junho, quando Aline, que também é escritora, lançou seu primeiro livro – antes, já havia publicado 12 contos em revistas e antologias, um compilado de textos de diversos autores em uma única edição.
Junto ao lançamento de “A jovem sonhadora” (Ases da Literatura), se concretizava também um sonho que nasceu na infância em Itajaí (SC) – onde morou até oito anos –, com livros doados por vizinhos, e seguiu pela juventude, quando surgiu o interesse pela poesia: “Foi uma emoção tamanha, porque não imaginava que um dia teria um livro publicado. Com meu nome na capa e tudo da forma como havia pedido à editora”, detalha Aline, ao ATUAL.
Na entrevista, ela chegou a contar (sem spoiler) um pouco da trama: “A personagem é uma jovem romântica, que imagina o amor. E acredita que com ela será romântico assim. Mas conhece um rapaz que age de maneira inusitada. É uma narrativa em que você quer ler até o fim para saber logo o fim da história, que é surpreendente. É uma reflexão sobre a romantização do primeiro amor”.
ESTREIAS
Enquanto não lança seu segundo livro – o drama sobre homofobia “Ivan – Um conto para chorar”, com previsão para sair pela mesma editora no fim do ano –, Aline colhe os resultados do que fez até o momento.
Em setembro, por exemplo, vai debutar como escritora na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, um dos eventos literários mais importantes do país:
“Já conheço o evento, mas como professora, levando alunos. Agora, será a primeira vez como escritora. Estou ansiosa”
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADEAline Lourenço, professora
O frio na barriga fica maior, porém, quando o assunto é a Expo Favela, onde estará também pela primeira vez, na próxima edição (dias 29, 30 e 31 deste mês), na Cidade das Artes, no Rio.
A iniciativa tem o objetivo de dar visibilidade a empreendedores de comunidades, mas neste ano, traz como novidade uma exposição literária com a participação de diversos escritores, como Aline, que vai debater a antologia “As Rainhas Negras”, que leva sua assinatura: “É um evento grande, com muita gente importante. Estou ainda mais ansiosa com a Expo Favela”.
Mas não há ansiedade que avexe a escritora e a impeça de seguir sua trajetória com as letras. E um dos combustíveis para tal determinação é o senhor Elimario Lourenço, seu pai e grande incentivador, falecido há quatro anos:
“Escrever tem muito a ver com a perda do meu pai, que sempre gostou de tudo o que eu fazia na escrita. Com a perda dele, veio a vontade de divulgar o que estava guardado havia anos. Hoje, faço tudo o que ele queria e pretendo fazer muito mais”
Aline Lourenço, professora
ITAGUAÍ
Quando não está em sala de aula ou debruçada sobre o computador para escrever seus textos, Aline curte Itaguaí, que, segundo ela, “tem tudo a ver” com seu estilo de vida. Ela reside no bairro Coroa Grande há quase cinco anos, embora trabalhe na rede municipal de ensino há 11. Antes da mudança, se deslocava diariamente entre a cidade e Senador Camará, onde viveu dos 8 aos 38.
Sobre os motivos para se sentir bem em Itaguaí, estão a natureza e a atmosfera mais calma que não se vê nas grandes metrópoles: “Conheci a cidade e passei a gostar. E quando consegui me mudar, comecei a aproveitar a natureza, com as praias e cachoeiras, a biblioteca… Enfim, é um lugar que tem tudo a ver comigo, com paz e tranquilidade. É um momento muito feliz da minha vida”, destaca Aline, que divide o teto com o gato Nicolas: “Digo que ele é meu ‘filho bichológico’” (risos).
DESAFIO
O bom humor para falar da rotina em Itaguaí e da carreira como escritora só dá vez a um tom de frustração, curiosamente, quando ela fala de outra paixão: a sala de aula. É que não se trata de raridade a docente – formada em Letras pelas Faculdades Integradas Simonsen – topar com alunos pouco interessados pelos estudos.
Ela, inclusive, admite que eles representam uma parcela significativa dos cerca de 250 estudantes (de 12 e 17 anos) – de sete turmas entre o 6º e o 9º anos do Ensino Fundamental – com quem convive semanalmente.
Diante de sua experiência de 17 anos como docente, Aline identifica que o desafio de despertar nos alunos a vontade de aprender se potencializa por conta do ambiente familiar de muitos deles: “Sinto que muitos só têm uma referência na escola. Falta base familiar”, lamenta Aline, revelando seu maior sonho como educadora:
“Queria que meus alunos dessem valor aos estudos. Que tivessem um ideal para mudar a realidade deles”
Aline Lourenço, professora
Enquanto busca esse sonho, ela reconhece que passa por instantes de desânimo. Mas nada que dure muito: “Já pensei em dar um tempo, mas foi coisa rápida. O que penso mesmo é fazer algo diferente, mudar a realidade. Porque seria fácil deixar para lá. Mas estar em sala de aula é maior do que pensar em desistir”.
PALESTRAS
“Fazer algo diferente” significa projetos que Aline participa para além da sala de aula. Por exemplo, as palestras que dá em diferentes colégios do município – sempre a convite de diretoras e durante projetos pedagógicos. Para motivar crianças e jovens, usa seu próprio exemplo de vida, a começar pela origem humilde.
Embora passe a maior do tempo em Itaguaí, mantém um vai-e-vem regular para Senador Camará, onde sua mãe ainda mora. E sempre que retorna à comunidade, busca mais inspiração a fim de repassá-la aos jovens: “Conto minha história a eles. História de estudante de escola pública, que via colegas que não estudavam e que acabaram indo por outro caminho. Muitos não estão mais aqui, e outros foram presos”, recorda a professora, completando:
“Eu sempre quis mudar a minha realidade por achar que a vida não era aquilo. Sempre corri muito atrás. É isso que tento passar para eles”
Aline Lourenço, professora
ALEGRIAS
Mas em contrapartida aos casos mais espinhosos, há aqueles que são, como classifica Aline, “alegrias”. Ou seja, alunos que buscam ampliar o conhecimento e deixam a professora com aquela sensação boa de missão cumprida: “Tem aluno que gosta, que é leitor. Por isso, nos apaixonamos pela profissão e queremos nos manter nela. Quando pedimos um trabalho, e o aluno faz além, é gratificante”, vibra.
Sobre exemplos assim, Aline recorda uma menina que a marcou: “Ela queria entrar para o CTUR (Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Era forte em português, mas não em matemática. Mas falei para não dar ouvidos a ninguém, apenas estudar e sair do convívio dos colegas que só queriam bagunça. Ela fez isso e conseguiu”, recorda Aline, citando outros exemplos: “Tive outros alunos assim. Muitos já trabalhando na área que escolheram. Tem essas alegrias também”, celebra a professora, que inspira enquanto sonha e vice-versa.