“Objetivo é preparar para a vida”, diz psicóloga idealizadora de projeto social
No projeto social “Lutando por Você”, o verbo “lutar” vai além do confronto com um adversário em um tatame. De acordo com a psicóloga Maria Monteiro, uma das idealizadoras da iniciativa, a briga é pela tentativa de uma vida mais digna.
Entre Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica, a empreitada – que também tem o mestre Michilim Paiva como um dos criadores – cresce desde 2015 por diferentes localidades, como Coroa Grande e Vila Geni; Itacuruçá e Conceição de Jacareí; e Dom Bosco. Tanto que já são 11 centros de treinamento, sempre em espaços cedidos, como quadras de clubes, de escolas e até igreja.
O objetivo principal, no entanto, não é formar atletas de alto nível no taekwondo, modalidade que os mais de 30 profissionais, entre professores e auxiliares, ensinam gratuitamente a homens e mulheres a partir dos 5 anos de idade. Quem pode, contribui com um valor simbólico.
Em entrevista ao ATUAL, Maria – que vê seu filho Daniel, de 9 anos, crescer no projeto – explica que o troféu que se busca no “Lutando por Você” é de caráter social e inclusivo: “Se a pessoa quiser ser atleta, ótimo. Mas nossa intenção é preparar para a vida”.
Não à toa, a psicóloga de 49 anos – que treina com os alunos e já está na faixa verde – oferece seus serviços também sem custos a quem precisa, sejam alunos ou pais.
E quem mais precisa, de acordo com Maria, são moradores de comunidades, a maior parcela, com folga, dos cerca de 250 alunos. Deste grupo mais carente e vulnerável, a propósito, sai o exemplo de um menino que marcou a psicóloga nestes oito anos de voluntariado: “Ele vinha se alimentando havia dias só com água e fubá. Fui atrás de uma cesta básica”, lembra ela, com a certeza dos resultados do projeto: “Amanhã eu vou colher os frutos de tudo isso”.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Você comentou que o principal objetivo do projeto não é formar atletas. Qual é a proposta, então?
MARIA MONTEIRO: Sim, o objetivo é ressocializar a pessoa, preparar para a vida. Não é só o aspecto físico, mas também o controle emocional. Queremos que eles não apenas subam ao pódio, mas também vençam na vida, com educação, disciplina… O taekwondo ensina esses princípios, que são a base para tudo, para o dia a dia. Para um processo seletivo para uma vaga de trabalho, por exemplo. Se a pessoa quiser ser atleta, ótimo. Mas nossa intenção é preparar para a vida.
Como mantém o projeto?
MM: A mão de obra é voluntária, e os espaços, cedidos. A água, cada um leva a sua. Então, o custo fica pelos quimonos (uniformes), que não são baratos. Quem pode, leva o seu. Para quem não pode, nós recorremos a doações e vaquinha. Às vezes, um professor vende a um preço mais barato. E um vai ajudando o outro.
E conseguir esses espaços é um desafio?
MM: Sim, porque se estivéssemos em um só local, fugiríamos da nossa proposta, que é alcançar o máximo possível de pessoas. Por isso, pensamos em polos, para recebermos alunos de diferentes localidades.
Quem desejar participar das aulas, como fazer?
MM: Basta comparecer à unidade mais próxima de sua residência (mais detalhes aqui). Lá, procure o professor ou mestre responsável. É preciso trazer atestado médico. E após a inscrição, nós fazemos acompanhamento para ver se o aluno está se alimentando, estudando. E caso o aluno ou familiar precise de atendimento psicológico, estou à disposição, pois o foco é preparar um campeão para vencer na vida.
E para quem quiser colaborar com o projeto, com doações, por exemplo?
MM: Pode me procurar no telefone (21) 99161-6820. São muito bem-vindas doações de dobok (quimono) e parcerias.
E o que motiva você a se entregar a um projeto como esse?
MM: Só entende de dor quem um dia sentiu dor. Só se consegue entender a dor do outro, quem um dia sentiu dor. Só entende de fome quem já sentiu fome.
Você teve uma infância difícil?
MM: Sim. Foi difícil, porém era uma outra época. Nossa preocupação eram as brincadeiras no quintal, na quadra da escola. Algo que precisa ser resgatado. E com o esporte é possível resgatar valores perdidos nesta era digital.
Em todos estes anos de trabalho, você conheceu casos que te marcaram?
MM: Certa vez, um menino parou de treinar porque estava de castigo. Me disse que morava em uma comunidade, em uma casa com apenas um quarto, cozinha e banheiro. E oito pessoas! E ele levava para essa casa todo animalzinho que via pela rua. Ou seja, com oito anos, já demonstrava um olhar sensível para os animais. Isso poderia ser trabalhado no futuro, ser uma coisa a favor dele. Mas os pais o deixaram de castigo. Precisei conversar com eles para que o garoto voltasse aos treinos. E teve uma outra criança, de 13 anos, que desmaiou durante o treino. Quando fui conversar com ele, o menino me falou: “Tia, não lembro a última vez que comi feijão e arroz”. Ele vinha se alimentando havia dias só com água e fubá. Fui atrás de uma cesta básica. E como tenho conhecimento com pessoas com melhor condição financeira, também peço roupas, porque vejo muito problema com vestimentas. Mas essa é só a pontinha do iceberg. Tem muito mais. E às vezes a gente tem que engolir o choro para seguir em frente.
E tem exemplo de um aluno do projeto que conseguiu seguir um caminho bacana?
MM: Teve um menino que me apaixonei pelo talento dele. Treinava comigo taekwondo. A mãe dele recebia do ex-marido uma pensão de R$ 250 para os três filhos. Cheguei a ajudar ela com cesta básica. Conversamos recentemente, e ela me contou que no fim do ano passado, o filho foi para os Emirados Árabes disputar uma competição. Foi, lutou e ganhou medalha. Hoje, ele vive em Petrópolis, onde treina. Tem o dono de uma academia como empresário, tudo pago… Está dando os primeiros passos. E a mãe está indo morar com ele.
Um caso assim deve lhe encher de orgulho. Como esses momentos refletem em você?
MM: É uma felicidade chegar para um deles e dizer: “Parabéns! Você passou da faixa tal para a faixa tal”. E eles ficam superanimados com o certificado, que chamam de “diploma” (risos). Amanhã eu vou colher os frutos de tudo isso.
Para encerrar, um sonho?
MM: Uma ONG para atender às comunidades em diferentes frentes. Ter filiais, com motoristas e carros próprios para transportar a molecada. Capacitar os jovens, descobrir talentos. Capacitar os pais também. Está tudo rascunhado, e em paralelo, tentamos captar verbas com a iniciativa privada. Com governos, ainda precisamos de um CNPJ, para pleitear junto a órgãos públicos. Mas tenho certeza de que vamos conseguir.