‘É uma boa profissão’, diz comandante de rebocador de navios que atua no Porto de Itaguaí
Como muitos garotos de cidades litorâneas com poucas oportunidades, como Itaguaí e Mangaratiba, Luiz Felipe de Oliveira cresceu observando o mar. E foi na imensidão oceânica que ele – hoje com 36 anos – vislumbrou a possibilidade de um futuro melhor. O primeiro passo do hoje Comandante da Marinha Mercante – como é chamado o conjunto de atividades marítimas comerciais do ramo civil ligado à Marinha do Brasil – foi um curso gratuito, na própria Força Armada. Agora, do alto de seus 18 anos entre mar e terra, o profissional garante: qualquer pessoa pode seguir o mesmo caminho, independentemente da condição financeira.
O cargo de Luiz Felipe há 14 anos é Comandante de rebocador, aqueles barcos menores que tiram os gigantes navios e plataformas do porto e os levam para o meio do mar. Entretanto, quatro anos antes de assumir a atual função, ele começou com o curso de Moço de Convés, que pode ser a porta de entrada para jovens de baixa renda que buscam uma carreira estável e um salário significativo.
E a prova de que pessoas de origem humilde podem, de fato, trabalhar em rebocadores é o próprio Luiz Felipe. “Eu venho de família de classe baixa, com um total de 14 filhos. É um curso acessível a todos. Existem cursos particulares, em que se paga uma fortuna, mas o da Marinha é de graça. Comecei como marinheiro e hoje sou Comandante. É uma profissão que te dá um certo conforto financeiro”, destaca o mangaratibano Luiz Felipe, ao afirmar que o salário inicial de Moço de Convés gira em torno de R$ 6,5 mil, em entrevista ao ATUAL.
Em suma, o passo-a-passo é o seguinte: o jovem precisa ter 18 anos de idade e pagar uma taxa de R$ 8 para fazer a prova de nível de ensino fundamental. A inscrição acontece no site da Marinha. Em caso de aprovação, ele faz o curso – que funciona como um curso técnico – na capitania de Itacuruçá, do Rio de Janeiro ou de Angra dos Reis, que são as mais próximas. Três a quatro meses depois, faz um estágio de dois meses para se formar marinheiro.
CONCORRÊNCIA
Assim, o novato já está habilitado para trabalhar em um rebocador como Moço de Convés. E a partir daí, a cada dois anos, com novos cursos e mais experiência, ele sobe de categoria – até chegar à função maior, que é a de Comandante de Longo Curso. Mas no meio desse caminho, tem um desafio: o de conseguir uma vaga de emprego em alguma empresa do ramo.
Desafio esse que pode ficar um pouco maior pelo fato de a concorrência na profissão não ficar restrita aos que vêm do mesmo nível social: “Já vi advogados e engenheiros largarem a profissão para se tornar Moço de Convés. Mas conheço muita gente mais humilde também”, pondera Luiz, salientando que embora o nome seja Moço de Convés, o posto não é exclusivo para homens: “Conheço Comandantes mulheres que são capazes e bem treinadas”.
PARA REPASSAR CONHECIMENTO
Mas independentemente de classe social, sexo ou idade, para que jovens façam o curso, eles precisam, primeiramente, saber que a profissão existe. Com a propriedade de quem trabalha em um rebocador em regime sete dias por sete dias há 18 anos, Luiz Felipe – que atualmente embarca no Porto de Itaguaí – alerta que é necessário uma divulgação maior. “É uma profissão desconhecida. Quem não convive, não sabe que existe. Pode achar legal, mas não sabe como chegar lá”, afirma o Comandante, lembrando que já tentou meios de fazer essa divulgação: “Já busquei parcerias com gestões municipais passadas, mas o projeto não foi adiante”.
Além de difundir a profissão, Luiz Felipe gosta também de compartilhar seu conhecimento. Desde que se tornou Comandante, por exemplo, já ajudou 17 Moços de Convés, nos portos de Itaguaí e Angra, a se tornarem Comandantes.
Inclusive, nos últimos 10 anos, ele garante que subiu consideravelmente o número de recém-formados que procuraram seus conhecimentos. “Chegou um momento em que eu não conseguia abraçar todo mundo que queria treinar comigo”, recorda.
LIVRO
Com tal demanda e o desejo de repassar aprendizagem, o Comandante teve a ideia de lançar um livro, que funciona como um manual sobre a operacionalização do Azimutal, sistema de propulsão dos rebocadores que especialistas consideram ser o mais moderno do mundo no momento.
O livro, que teve lançamento em abril, já vendeu mais de mil exemplares, segundo Luiz Felipe. Entre os compradores, aposta ele, estão aqueles que desejam trabalhar embarcados, mas ainda não fizeram o curso de Moço de Convés. “É para quem está querendo começar”, explica o marinheiro, que já viu seu manual romper as fronteiras do Brasil e chegar a Istambul, na Turquia.
Agora, o Comandante se prepara para participar de um seminário sobre rebocadores azimutais, no dia 9 de novembro, na Praticagem do Brasil, uma das instituições mais respeitadas dentre que as que possuem elo com a Marinha.
E caso você esteja nesse grupo, dos que sonham em trabalhar em um rebocador e querem aprender sobre a profissão, é possível comprar o livro aqui.
ROTINA NO REBOCADOR
Quando conversou com o ATUAL por telefone, Luiz Felipe tinha acabado de chegar em casa, depois de sete dias embarcado, período no qual executou suas atribuições. Por exemplo, manutenção da embarcação; liderança da tripulação; e manobras de navios, plataformas e submarinos. Além disso, é claro, fez o que toda pessoa faz no dia a dia: dormir, se alimentar, tomar banho…
Tudo graças à estrutura do rebocador, que pode abrigar até 10 tripulantes: “O rebocador é uma casa. Tem tudo o que você imagina. Além do refeitório e da cozinha, cada tripulante tem camarote, suíte e banheiro”, lista.
SUFOCOS
Sim, fazer o que se gosta e ter conforto são pontos positivos, mas trabalhar em um rebocador tem o outro lado. Não à toa, Luiz Felipe não pensa duas vezes antes de citar a maior qualidade que um Moço de Convés deve ter para trabalhar embarcado: “É preciso ter um bom relacionamento interpessoal. São sete dias em uma embarcação com outras personalidades. Se você não conseguir aceitar o jeito do outro, vai ter que pedir para sair”.
A convivência, porém, pode ser o menor dos problemas. Isso porque durante os sete dias de trabalho no mar, momentos de sufoco podem surgir. O Comandante lembra dois episódios: “Dois anos atrás, os cabos de uma plataforma se romperam, e ela foi para cima da praia de Icaraí, em Niterói. Tive que jogar o rebocador entre a estrutura e as pedras para evitar o prejuízo e um acidente ambiental. E no Carnaval de 2013, recebemos um chamado sobre uma mulher que tinha caído da Ponte Rio-Niterói. Fiz a manobra, a vimos boiando na Baía de Guanabara. Tive que solicitar uma lancha para o resgate. No fim, conseguimos salvá-la. Foi uma situação bem corrida e com alto índice de adrenalina. Fui até ao programa da Fátima Bernardes falar sobre esse caso (risos)”, encerra.