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Movimento de estudantes faz duras críticas à reitoria da Rural

Estudar em uma universidade pública é o sonho de muitos estudantes. Entre o ingresso à instituição de ensino e a conclusão do curso, porém, percalços podem fazer da experiência um pesadelo em certos momentos. Esta, inclusive, é a realidade de muitos integrantes  do Correnteza, movimento estudantil de atuação nacional, que desde 2017 luta por melhores condições para alunos de diversos campi Brasil afora. Um deles é o da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, onde recai boa parte das reclamações do grupo.

Em entrevista ao ATUAL, Anna Luiza Lopes, aluna de história e coordenadora do Correnteza no campus de Seropédica, listou os maiores problemas que, segundo o movimento, cruzam o dia-a-dia dos estudantes, sobretudo aqueles que dormem em alojamentos – assim como ela. A jovem de 19 anos – que é de Nilópolis, mas vive na universidade desde o início do ano – não chegou a ranquear as adversidades, mas pelos relatos, a alimentação provavelmente é o que mais tira o sono dos estudantes.

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Segundo Anna, o Restaurante Universitário (RU), popularmente chamado de “bandejão”, está em reformas há cerca de seis anos, período no qual a comida foi servida muitas vezes em quentinhas. A estudante afirma que chegou a seu conhecimento relatos de colegas dando conta das más condições do alimento: “Alguns já relataram que a comida vinha azeda. Já encontraram na quentinha coisas como cabelo e larvas”, salienta Anna, fazendo uma revelação de momento: “Agora mesmo, estou levando uma amiga ao posto médico, porque ela está com intoxicação alimentar”.

EMBATE COM PRÓ-REITORIA

A situação precária, ainda de acordo com Anna, motivou uma grande manifestação que resultou na criação de uma comissão de segurança alimentar na Rural. Teriam formado esse comitê alunos – sendo uma integrante do Correnteza –, professores e representantes da própria reitoria.

Após uma visita às dependências da Guelli Comércio e Indústria de Alimentação Ltda, empresa contratada para fornecer o alimento e transportá-lo ao RU, a comissão teria criado um relatório com diversos dados. Dentre eles, cerca de 300 estudantes que já passaram mal com a comida; e 70% dos entrevistados que já encontraram alguma irregularidade no “bandejão”. Anna relembra que o levantamento foi reação a uma nota na qual a pró-reitoria descreditava as reivindicações do movimento: “Nos chamaram de mentirosos”.   

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Em um dos atos de protesto contra a qualidade da alimentação, no início do primeiro semestre deste ano, recorda Anna Luiza, os estudantes pediram para que César da Ros, vice-reitor da Rural, experimentasse uma das quentinhas. A abordagem ocorreu no auditório onde começaria em instantes uma aula magna.

César teria pedido para que os estudantes se retirassem por conta do evento, mas ouviu a contraproposta de que só sairiam se ele topasse comer uma das quentinhas. E o vice-reitor aceitou o desafio, afirma a estudante de História: “Fizemos um acordo. A comida não estava estragada, só queríamos que ele visse o que comemos para dizer se era bom ou ruim. Ele comeu, e a gente saiu. Mas a cara não foi muito boa (risos)”.

Em um dos protestos, o movimento pediu para que o vice-reitor César da Ros comesse uma quentinha (Arquivo pessoal)

Durante a entrevista, Anna Luiza ainda enviou para a reportagem uma matéria do Jornal O Globo de outubro 2020. O texto fala sobre uma operação da Polícia Civil contra um esquema de fraude no pregão público para fornecimento de alimentação ao Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu.

Dentre as empresas que participaram da licitação – e que já tinham recebido até então cerca de R$695 milhões em contratos com secretarias estaduais desde 2013 – estava a Guelli.

NOTA DA UNIVERSIDADE

O ATUAL procurou a assessoria de comunicação da reitoria da Rural para falar sobre a questão das condições da comida servida aos estudantes.

A reitoria respondeu com um comunicado emitido em seu próprio site no último dia 18. No texto, a universidade cita, por exemplo, a “veiculação de informações distorcidas e inverídicas por meio de um vídeo” que critica nas redes sociais o fornecimento das refeições ao RU.

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Ainda sobre o suposto vídeo, que falaria em “situação cada vez mais caótica”, “obra interminável” e “comida de qualidade péssima”, a UFFRJ garante no comunicado que “atende diariamente cerca de três mil comensais nas refeições, buscando sempre oferecer um alimento nutritivo e de qualidade”.

A nota também alega que até que as obras no “bandejão” terminem, as quentinhas são “uma medida necessária para evitar a descontinuidade no oferecimento dos serviços de assistência alimentar”.

TRANSPORTE INSUFICIENTE

No contato com a comunicação da universidade, a reportagem levantou também outros pontos tratados na entrevista com Anna Luiza, mas não obteve respostas. A Rural deixou de enviar seu posicionamento, por exemplo, sobre o transporte dentro do campus.

Pelo relato da estudante, os dois únicos ônibus que a universidade disponibiliza para que os alunos se desloquem entre as dependências do campus “não dão conta”: “O tempo de espera é longo. E eles precisam de manutenção recorrente. O ‘Fantasminha’, como chamamos um deles, estava quebrado no primeiro dia de aula deste ano”.

FALTA ENERGIA

Outra questão que gera bastante reclamação entre os alunos, aponta Anna, é o fornecimento de energia elétrica. Este inconveniente, aliás, tem relação com os outros dois já citados: alimentação e transporte interno.

No mês passado, recorda Anna, o Correnteza, junto com outros movimentos, fez doação de alimentos aos estudantes que moram nos alojamentos do campus – o fato de não haver fornecimento de comida aos alojados em dias de feriado, a propósito, é outro motivo de crítica. Horas depois da entrega, um defeito em um dos transformadores ocasionou uma falta geral de eletricidade por quatro dias, o que fez muitos mantimentos estragarem por falta de conservação na geladeira.

Segundo estudantes, a ausência constante de eletricidade acarreta também no breu que costuma tomar conta do campus em muitos trechos. Assim, aumenta o temor, principalmente das alunas, em relação ao risco de violência sexual: “Fica tudo muito escuro, deserto. O caminho é longo do ponto do ônibus até a sala de aula. É um problema, principalmente, para quem estuda à noite. Já ocorreram muitos casos de assédio, estupro… Dá medo”, admite Anna.

O Correnteza colou cartazes pela universidade para alertar e protestar contra casos recorrentes de assédio na UFRRJ (Arquivo pessoal)

AUXÍLIOS

E além de todos os problemas já mencionados por Anna, está um que, talvez, potencialize todos os outros: a escassez de auxílios. Ao apontar a Rural como a universidade pública com menor número de benefícios do estado, ela afirma que recebe três, o que não é suficiente.

De acordo com Anna, há auxílio apenas para transporte, alimentação e moradia. Assim, os alunos devem escolher entre receber uma quantia ou ficar com o alojamento e o “bandejão”. E como o benefício está na casa dos R$ 250 – sem reajuste há anos, segundo o movimento –, a tendência é que eles fiquem com a segunda opção.

Direta, Anna ressalta que este cenário dificulta a vida dos estudantes em situação de vulnerabilidade, que é o caso dela e o da maioria dos alojados: “É muito difícil estudar em Seropédica. A maioria dos estudantes é negra e de baixa renda, e, mesmo assim, não tem bilhete único suficiente, porque a passagem é muito cara. Quem vem estudar aqui tem uma conjuntura de vida diferente de alunos da UFRJ”.

RISCO DE EVASÃO

Como consequência, o temor entre os alojados é o de uma grande evasão da universidade por parte dos alunos. A própria Anna admite que já pensou em desistir. Mas aquele sonho, pelo menos por enquanto, segue vivo: “A dificuldade não é só ingressar à universidade, é seguir estudando. Já pensei em desistir várias vezes. Antes mesmo de entrar, já pensava no meu contexto. Cresci em periferia, estudei em escola pública e não sabia como ia me manter em uma universidade distante. E hoje, estou desempregada. Sou a primeira da minha família a entrar para uma universidade pública, então meus familiares depositam fé em mim, tentam ajudar. Mas a realidade é bem diferente do sonho”.

Redação

O Atual atua desde 2001 em Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica com notícias, informações e demais serviços jornalísticos, digitais e audiovisuais. Além disso, aborda ocasionalmente assuntos que envolvem também a Zona Oeste da capital do Rio de Janeiro. O Atual oferece matérias e vídeos em seu site e nas suas redes sociais, com o compromisso de imprensa legítima e socialmente responsável.

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