CONFIRA A VERSÃO DIGITAL DA REVISTA "ITAGUAÍ 206 ANOS"!

Clique aqui e leia

Conheça fatos e boatos que ligam Itaguaí ao 7 de Setembro

Os mais atentos que percorrem ou frequentam Itaguaí já devem ter notado sinalizações e até pontos turísticos que mencionam Dom Pedro I (1798-1834), o principal responsável por fazer o país deixar de ser colônia de Portugal em 1822. Mas hoje, 201 anos após o grito às margens do Ipiranga, muitos ainda desconhecem que a relação entre o município e a Independência do Brasil vai muito além.

Em razão da data comemorativa, o ATUAL procurou Mirian Bondim, experiente historiadora e escritora, que é filha e moradora de Muriqui, distrito de Mangaratiba, mas tem na ponta da língua um sem número de histórias que colocam Itaguaí (literalmente) no caminho da Independência: “Dom Pedro I passou pela região na ida e na volta de São Paulo, onde proclamou a Independência”, observa ela, se mostrando surpresa por muita gente ainda estar alheia ao vínculo entre o território itaguaiense e o 7 de Setembro: “Durante a divulgação de meu último livro, passava por diferentes lugares da cidade, e muitas pessoas se surpreendiam com o histórico da região em relação à Independência”.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O tal caminho já teve diferentes nomes – oficiais e não oficiais –, mas talvez o mais famoso seja “Caminho do Ouro”, já que sua primeira finalidade, quando da inauguração em 1778, era transportar ouro por terra, uma vez que a carga em navios costumava ser alvo de piratas.      

Vila de Itaguaí em 1823, um ano após o evento da Independência do Brasil (Reprodução/Maria Graham)

TRÁFEGO INTENSO

Segundo Mirian, Dom Pedro I passou por Itaguaí na ida a São Paulo no dia 15 de agosto. Já a volta teria ocorrido em 12 de setembro. Nessa época, porém, a estrada – ainda de terra batida – servia não só de trajeto imperial, mas também para transporte de toda a sorte de carga.

A historiadora relata que relatos de Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), botânico e naturalista francês que passou seis anos em viagens pelo Brasil, dão conta de que passava por Itaguaí a estrada mais movimentada do país na época.

Isso porque, àquela altura, a via – que ligava o que hoje são o município paulista de Lorena ao bairro fluminense de Santa Cruz – já tinha extrema importância no abastecimento de alimentos não só para a família real, mas também para toda a (então) província do Rio de Janeiro:

“Passava de tudo por lá. Muitos animais vivos, como porcos, galinhas e gados”

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Mirian Bondim, historiadora e escritora

Entretanto, não só animais cruzavam a estrada. Traficantes de pessoas escravizadas também usavam a rota para levar africanos do Rio para outras regiões: “Eles pegavam negros desembarcados na baía de Sepetiba, nas praias de Itaguaí, para levá-los a regiões de Minas Gerais e São Paulo”, explica a escritora, autora do livro independente “A Freguesia de Mangaratiba na Independência do Brasil” (2022) e do “História de Mangaratiba por seus patrimônios histórico-culturais” (Litteris Editora/2021), com patrocínio da Vale.

O CAFÉ

Apesar de episódios assim, é possível afirmar que o caminho, idealizado por fazendeiros, foi trajeto mais para atividades positivas do que o contrário. E novamente Itaguaí teve importante participação nesta história, ainda que Dom Pedro I não sonhasse em passar por ali quando um certo produto explodiu.

Nas três últimas décadas do século XVIII, o comércio do ouro começou a perder espaço para o café, o que contribuiu significativamente para o desenvolvimento da cidade: “A estrada passou a ser importante também para o escoamento do café, que ia para o Porto de Itaguaí. Foi o grande boom do café, quando Itaguaí deixa de ser aldeia para se tornar uma cidade portuária”, acrescenta Mirian.

A historiadora Mirian Bondim já lançou dois livros sobre fatos históricos do país que ocorreram na região de Mangaratiba e Itaguaí (Arquivo pessoal)

O CAMINHO ATUALMENTE

Além de cidade portuária, Itaguaí também teve sua época de cidade fortificada. Como o status de independente desagradou aqueles que eram contra o rompimento de laços com Portugal, o imperador passou a temer ataques contra o porto da cidade: “Em 1824, por causa da Guerra da Independência, Dom Pedro dá ordem para construção de fortalezas em Coroa Grande e na foz do rio de Itaguaí, a fim de evitar que inimigos portugueses atacassem”.

Estes fortes não existem mais, assim como o caminho do ouro em sua versão da época do grito de Dom Pedro. Mas a título de curiosidade, caso o leitor queira se localizar, a historiadora explica que uma parte da famosa estrada corresponde à Rua General Bocaiúva, uma das mais movimentadas do Centro de Itaguaí, onde fica, por exemplo, o Hospital Municipal São Francisco Xavier.

LEIA MAIS

Caminho do imperador e tretas: o segundo livro de Mirian Bondim sobre Mangaratiba

Documentário resgata história dos antigos Carnavais de Itaguaí

Há ainda um trecho onde hoje está o ponto turístico conhecido como Mirante do Imperador, uma pedra que recebe muitos turistas e ganhou esse nome como uma referência, claro, a Dom Pedro. Perto dali, a propósito, uma outra menção ao Caminho do Ouro: uma placa de 1837 em homenagem ao francês Paulino José Soares de Sousa (1807-1888), então presidente da província do Rio de Janeiro – cargo que seria o de governador do estado atualmente – responsável pelo calçamento e alargamento da estrada.

Outro pedaço famoso do trajeto é a atual Estrada da Calçada: “Já fiz parte desse percurso, é muito bonito. Começa no pé da Serra do Matoso, segue serra acima, em direção a São João Marcos (RJ) e vai até Piraí”, detalha Mirian, salientando que são raros o sinais que correlacionem o trajeto ao antigo Caminho do Ouro: “Só em uma área preservada na Serra do Matoso que existe uma identificação”.

Panorâmica do antigo centro da Vila de Itaguaí, em 1836, com a visão do ponto do morro do Sase (Reprodução/Benjamim Mary)

“FAKE NEWS”

Inclusive, possivelmente até por essa escassez de referências ao passado que surgem entre a população algumas versões distorcidas de fatos de séculos passados. Ou, em linguagem contemporânea, algumas “fake news” históricas.

Um exemplo é a Praça da Aclamação – atual Praça Dom Luís Guanella, no Centro. De alguma forma, muita gente passou a acreditar que a “aclamação” do antigo nome seria para Dom Pedro II por ele ter presenteado Itaguaí com uma biblioteca em 1880 – o que, de fato, aconteceu.

A praça, na verdade, foi palco da aclamação em Itaguaí, que ocorreu simultaneamente à cerimônia que oficializou Pedro I como imperador no Rio de Janeiro, em 12 de outubro, dois meses após a Independência: “Em todas as vilas que reconheceram a Independência ocorreu uma aclamação ao mesmo tempo em que ele era aclamado no Rio. O evento em Itaguaí teve até a presença de padres, juízes e vereadores”.

Outra história que não é bem assim é a de que Pedro I teria dormido em Itaguaí durante a viagem entre agosto e setembro de 1822: “Itaguaí era quintal de Santa Cruz. Ele dormiu em Santa Cruz, porque fez a volta toda do Ipiranga em cinco dias. Não dormiu nem na ida e nem na volta”, afirma a historiadora, esclarecendo mais um boato histórico para quem não quer dormir no ponto sobre as histórias que ligam Itaguaí ao 7 de Setembro.

Luiz Maurício Monteiro

Repórter com mais de 15 anos de trajetória e passagens por diferentes editorias, como Cidade, Cultura e Esportes.

Matérias relacionadas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com