Ator e cineasta de Itaguaí apela até para rifa para conseguir filmar na cidade
Se você costuma circular por Itaguaí em carros de aplicativos, saiba que sua próxima corrida pode ser conduzida por um cineasta. Tudo bem, Thiago Mabel ainda não tem uma graduação profissional para produzir e dirigir filmes, mas não é por falta de vontade. Natural da cidade, o ator (para essa função, sim, ele é formado, inclusive, com DRT) sonha em viver de sua profissão, mas esbarra na falta de oportunidades. Enquanto isso, ao lado de outros 14 voluntários que também vivem a realidade da jornada dupla, ele toca projetos artísticos sem remuneração, dando sinais de que desistir não faz parte dos planos.
“Às vezes, até me emociono, porque passamos por tanta coisa… Gravar só com o café da manhã na barriga ou não ter o dinheiro da passagem ou do almoço de todo mundo. Mas a gente tem tanta fé, que continua buscando (viver de arte)”, destaca Thiago, em entrevista ao ATUAL, sem esquecer da rotina de segunda a sexta – às vezes, até de madrugada – como motorista de Uber: “É o que paga minhas contas”.
É por causa da segunda (ou primeira?) profissão que Thiago, pai de uma bebê de 3 meses, e o pessoal da OMC Produções – produtora artística da qual é fundador e diretor-geral – conseguem dedicar apenas os fins de semana para o trabalho com o audiovisual. Seu codiretor e também ator Dann Santtos, por exemplo, é pedreiro. Já o cinegrafista Jon Maik é Auxiliar de Serviços Gerais. O técnico de áudio Guitta Casanova, por sua vez, é professor de educação física. Ou seja, os dias úteis são para o ganha-pão, enquanto o sonho de fazer o que se gosta fica para sábados e domingos.
Consequentemente, essa é a razão pela qual a websérie “O mesmo céu”, primeira produção da OMC, ter levado dois anos e meio entre os lançamentos do primeiro e do décimo episódios, ao longo dos anos de 2020 e 2022. O mesmo serve para “A última chance”, curta-metragem que Thiago e sua equipe estão filmando atualmente. As gravações começaram há um mês, mas não há previsão para finalização, apesar dos poucos minutos de duração que a edição final terá.
ESTRUTURA MODESTA
Por falar em edição, o profissional responsável pela função é o único que não faz parte da OMC Produções e o único remunerado – cerca de R$ 300 por jornada, verba que sai dos bolsos de Thiago e Dann. As demais tarefas são de responsabilidade dos integrantes da produtora, que as realizam com um equipamento modesto. Eles têm a mãos uma máquina fotográfica (que faz as vezes de filmadora), duas lentes, um microfone direcional, um tripé e só!
Para melhorar tal estrutura (e também a remuneração, por que não?), Thiago – que segue se aperfeiçoando em cursos de teatro até hoje – faz o mesmo que qualquer artista independente, seja de grandes metrópoles ou de cidades menores. Com muita força de vontade e diálogo, ele corre atrás de patrocínio.
Com pequenos empresários da região, por exemplo, consegue arrumar uma locação ou outra para as filmagens. Já para arrecadação de investimentos em cifras, a tarefa é mais árdua: “Alguns cedem espaço para gravações, mostram vontade de ajudar. Mas quando falamos em dinheiro, todos dizem logo que não têm”, recorda o ator.
SEM PATROCÍNIO PÚBLICO
Se conseguir apoio financeiro com pequenos empresários da iniciativa privada está difícil, o que chega a ser natural por se tratar de um município mais carente como Itaguaí, a solução pode estar no governo. Pensando mais ou menos assim, Thiago Mabel foi à prefeitura e à Câmara Municipal, mas não logrou êxito.
Do primeiro encontro com o vereador Sandro da Hermínio (PP), Thiago diz recordar uma situação inusitada: “Ele ficou encantado com a nossa história, porque estamos fazendo uma coisa tão bacana na cidade, mas nem sabia que estávamos gravando um filme em Itaguaí. Então, disse que precisávamos mostrar um portfólio a ele”, detalha.
Assim, Thiago e sua esposa Hellen Alves – que também é atriz e cuida do designe gráfico nas produções – passaram dias e noites em sequência documentando todas as informações das atividades realizadas por três anos. Já com o material pronto, ele foi orientado a procurar Willian Cezar de Castro Padela, subsecretário de Cultura.
Na ocasião, Thiago elaborou uma proposta que consistia em R$ 12 mil para comprar equipamentos de segunda mão. “Não pensamos nem em aparelhos novos, porque senão, ia ficar mais caro”, destaca o ator. Mesmo assim, segundo ele, o retorno não veio. “A gente nunca teve uma resposta deles”, acrescenta.
“PANELA” E RIFA
Se o apoio desejado não aconteceu após uma abordagem direta, poderia rolar por meio de editais e programas de fomento. Sobre mais uma tentativa frustrada, Thiago desabafa falando em “panela”: “Acredito até que isso não aconteça só em Itaguaí. O projeto pode ser muito bom, mas só ganha quem eles querem. Sempre vencem as pessoas que conhecem quem lança o edital. Às vezes, a gente não fica nem sabendo que o edital foi lançado”.
Com todos estes “nãos” ou “vamos ver” e precisando angariar recursos, Thiago e sua equipe passaram a organizar rifas periódicas. O grupo todo se divide para vender entre 200 e 300 números – a R$ 10, cada – presencialmente ou nas redes sociais.
O primeiro prêmio foi um perfume ainda lacrado que o ator tinha em casa. O segundo foi uma cafeteira doada por uma fã. Já o próximo sorteio, de uma cesta de chocolates com diferentes brindes, deverá acontecer nessa semana. A propósito, interessados em participar podem procurar a OMC Produções ou o próprio Thiago Mabel no Instagram. Quanto mais números eles venderem, claro, melhor. “É um dinheiro que vai ajudar a gente a comprar uma filmadora de verdade, porque atualmente usamos uma câmera fotográfica”, ratifica o ator.
E para quem quiser colaborar por meio de patrocínio ou doação, basta entrar em contato pelos seguintes canais: (21)992917519 | thiagomabel2018@gmail.com | @omcproducoes (Instagram) | @Mabel_thiago (Instagram).
WEBSÉRIE E FILME
Toda esta epopeia de jornada dupla, andanças atrás de patrocínio e rifas foi fundamental para concretizar o primeiro projeto da OMC, a websérie “O mesmo céu”, que o grupo filmou durante quase três anos em locações em Mangaratiba e Itaguaí, nos distritos de Coroa Grande e Ilha da Madeira.
Com uma trama adolescente, a série – cujo 10º e último episódio foi postado há dois meses no canal OMC Produções no YouTube – apresenta dois rivais disputando o coração da mocinha, que completa o triângulo amoroso. Thiago interpreta o laminador naval Pedro; a atriz Juliana Melo dá vida à mocinha Julia; e Dann fica com o papel do antagonista, o o poderoso João Vidal. A história já tem a segunda temporada confirmada, mas ainda sem previsão de lançamento.
“A ÚLTIMA CHANCE”
Até porque, o objetivo de momento é finalizar o curta “A última chance”, por meio do qual Thiago quer contar uma história que pode despertar identificação em qualquer pessoa. As gravações acontecem em Mangaratiba, Piraí, Itaguaí e Seropédica (no bairro de Piranema e na Universidade Federal Rural).
A propósito, para quem se pergunta o porquê de as filmagens acontecerem nessa região e não em uma cidade grande com mais possibilidade de recursos, eis uma explicação: além de o ator ter nascido e viver em Itaguaí, ele diz que o clima e a paisagem locais têm tudo a ver com as histórias da série e do filme.
Sobre a trama de “A última chance”, Thiago e Dann, além de assinarem roteiro e direção, são também protagonistas do filme. O primeiro interpreta Steven, um homem que se dedica demasiadamente ao trabalho, o que o faz acreditar que a vida confortável que dá á família é o suficiente. Ou seja, carinho e atenção ficam escanteados.
Já o papel de Dann é o de um mensageiro que recebe Steven em um mundo paralelo, depois que este vem a falecer. Anos após sua morte, o sujeito vê como a família está. A sua mãe veio a óbito; a esposa se casou novamente; e o filho já vê no padrasto uma espécie de segundo pai.
REALIDADE X FICÇÃO
Ao ver Steven arrasado com a nova realidade de sua família, o mensageiro decide fazê-lo voltar no tempo e habitar o plano terrestre novamente. Ele acorda exatamente no momento que havia morrido, diante de um médico-socorrista que o reanima, com “a última chance” para fazer tudo diferente – o que não vamos dizer aqui se ele conseguiu ou não para evitar spoiler!
Nesse caso, realidade e ficção não se confundem. Afinal, ao contrário de seu personagem, Thiago não pensa em começar a fazer tudo diferente. Não pretende seguir um caminho que não seja o do amor pela arte e pela cultura. Pelo contrário, quer passar à frente seu conhecimento e seu projeto de unir duas linguagens artísticas: “Depois de anos, quando você aprende uma coisa, quer passar isso adiante. Quando criei a produtora, não foi para realizar somente um sonho meu, mas também o de todos que querem o mesmo que eu. E eu quero inovar, quero levar isso para o Teatro Municipal de Itaguaí. Misturar o teatro ao audiovisual”, conclui.