“Paixão” leva Itaguaí à ponta do circuito de mountain bike no RJ
Moisés Agostinho, 62 anos; Nicollas Vieira, 16. Exceto pela idade, estes dois reúnem muitos pontos em comum, a começar pelo fato de representarem Itaguaí, cidade onde vivem e treinam, no Campeonato Estadual de Mountain Bike (MTB) e liderarem suas respectivas categorias – Master D1 e Juvenil.
Na competição – que tem a chancela da CBC (Confederação Brasileira de Ciclismo) e da Fecierj (Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro) – eles ganham somente pontos na tabela de classificação e troféus. Ou seja, nada de premiação em dinheiro. Em contrapartida, são muitos os custos: taxas de inscrição; viagens pelas 12 etapas em diferentes regiões do estado ao longo do ano; e equipamento.
Isso sem falar no risco de lesões devido às quedas, algo comum nas subidas, descidas e longos trajetos (as provas do Estadual chegam a 32 km, por exemplo) que caracterizam a modalidade. Mas em meio a tantos contras, há um pró para seguir competindo: a paixão por pedalar, um sentimento também em comum que, aliás, veio a unir a dupla.
PAIXÃO COMPARTILHADA
Natural de Itaguaí, Moisés compete no MTB desde 2012, mas o apego à “magrela” veio antes: “Nos anos 1970, já era apaixonado. Para mim, bicicleta é fundamental”, exalta o veterano, lembrando, em entrevista ao ATUAL, que a paixão rompe gerações na família:
“Meu pai competiu na década de 1950. Ele passou esse gosto para mim, e eu passei para o meu filho Wallace”
Moisés Agostinho, ciclista
Assim como Moisés, Nicollas – que nasceu em Mangaratiba, mas vive em Itaguaí desde a infância – também despertou para os pedais em família. Ele recorda que há cerca de três anos sua mãe Eliane o levou para um passeio de bicicleta em uma quarta-feira.
Quatro dias depois, no domingo, ao lado do pai Marciel, o garoto fez um percurso de aproximadamente 40 km – 7 km só de ladeira. Logo ele decidiu o que queria da vida: “Foi em uma montanha de onde as pessoas saltam de parapente. Consegui subir bem e percebi que tenho um dom. Mas antes meu sonho era ser jogador de futebol”.
PARCERIA
A paixão em comum fez os ciclistas se encontrarem e, rapidamente, criarem uma amizade e uma admiração mútua – apesar do pouco tempo de convívio, já que Nicollas está em seu primeiro ano de disputas.
Moisés fala do colega com orgulho: “Ele é um menino muito bom. Tem um futuro brilhante. Quando chega para competir, os outros ficam preocupados (risos)”.
Como é comum na maioria dos casos, Nicollas ainda encara algumas dificuldades típicas de início de carreira. Por isso, Moisés procura dar suporte: “Como ele não tem condução, o levo para treinos e provas. É meu número um na carona (risos)”, destaca.
O novato, por sua vez, confirma e dá até um tom mais familiar à relação: “Moisés é um cara sensacional, que me leva às competições, ajuda com a montagem da bicicleta. Nem sei como agradecer”, hesita o jovem, completando:
“É como um segundo pai para mim. Temos uma conexão muito forte”
Nicollas Vieira, ciclista
Inclusive, o caráter familiar entre eles não fica só na relação. Traços físicos sugerem um laço paternal: “A gente se parece muito. Cor da pele, altura…”, destaca Nicollas, em discurso alinhado ao de Moisés: “Eu tenho 1,95m, e ele, 1,94m. Quando chegamos a algum lugar, as pessoas pensam que somos pai e filho (risos)”, complementa o veterano.
DE OLHO NO TÍTULO
Na torcida um pelo outro, Moisés e Nicollas sonham com o título estadual – após uma prova em Carapebus nesse domingo (3), restarão outras seis até o fim da temporada, que se encerra em dezembro, no município de Tanguá, onde a pontuação terá peso dois.
Forte candidato ao título na Master D1, Moisés – que também lidera o Circuito Tchotchomere XCM, uma espécie de competição paralela da Fecierj – sabe que a vantagem de 15 pontos (59 x 44) sobre o segundo colocado é significativa, mas não crê, por exemplo, em uma conquista antecipada: “Muito difícil. Acho que vai ficar para a última prova, até pelo fato de ter pontuação dobrada”, observa ele, que pode ser o primeiro ciclista itaguaiense federado campeão estadual de MTB na Master D1.
Se o título com antecedência não parece palpável, mais certa é uma redução no ritmo caso a conquista se confirme. Moisés admite que a idade começa a pesar: “Vou fazer 63. Se for campeão, darei um tempo ano que vem”, revela ele, descartando a aposentadoria:
“Vou aproveitar a parada para me preparar melhor e voltar com a corda toda em 2025”
Moisés Agostinho, ciclista
Já o iniciante, ao contrário de Moisés, não possui nenhuma vantagem na tabela de classificação: soma 51 pontos, assim como o principal concorrente.
Mas mesmo ciente da disputa acirrada, segue confiante na conquista: “Treino também o psicológico. Mantenho o foco para chegar bem nas provas e levar o título para Itaguaí”, afirma ele, que também pode levar à cidade o título inédito no Estadual juvenil de MTB.
HÁBITO X COINCIDÊNCIA
Mas independentemente de resultados, já é motivo de orgulho o desempenho de Itaguaí, dentre 92 estados do RJ, no campeonato estadual de mountain bike.
Nicollas, claro, não fala em coincidência, mas, sim, em um hábito da população itaguaiense:
“Muita gente pedala em Itaguaí. E dentro desse grupo grande, aparecem pessoas que, assim como eu, descobrem um dom que não sabiam que tinham”
Nicollas Vieira, ciclista
Já Moisés cita os diversos grupos com dezenas de ciclistas que saem cidade afora para pedalar: “Itaguaí tem uns cinco grupos de passeio. Só no meu, são 122 inscritos. Pessoas que vão pedalar juntas pela cidade, subir morro, descer morro. E ainda tem o Rachão dos Crias, que é um grupo só de competidores”, salienta ele, chamando atenção para uma característica da cidade que favorece a prática: “Itaguaí é muito plana”.
DO PRÓPRIO BOLSO
Só treino, porém, não basta. É preciso uma boa estrutura, sobretudo, quanto à principal ferramenta de trabalho de um ciclista: “Não adianta ir com qualquer bicicleta. Senão, a vela solta; a corrente arrebenta”, alerta Moisés, enumerando problemas que podem acometer atletas desprovidos de uma bike adequada para a prática de MTB.
Ele próprio conta ter três bicicletas. A mais cara, avalia, está na casa dos R$ 10 mil. Já as outras ficam para treinos, passeios e reposição de peças para a principal: “Bicicleta é o que pesa mais, mas temos um gasto grande também com viagens. E a inscrição, que o valor varia, mas a próxima etapa, por exemplo, ficou em R$ 155”, acrescenta.
Ainda sem a mesma estrutura, Nicollas – que cursa o 1º ano do Ensino Médio – tem somente uma única “companheira” de pista, que ele avalia em R$ 4 mil. Aliás, só foi possível tê-la graças a colaboradores, como Moisés: “Meu pai também me ajuda. E ainda teve a Ciclomob, uma loja na Barra da Tijuca, que me deu um quadro (estrutura que liga uma roda à outra). Assim, consegui uma bicicleta melhor”, comemora.
O jovem relembra outras contribuições: “Nunca tive um apoio fixo, aquele dinheiro certo. Suplementos, por exemplo, não tenho. É só treino mesmo. Mas tenho um acordo com a academia Body Box, onde treino gratuitamente. Tenho treinado também com a Mel Teóphilo, treinadora que não me cobra”.
RISCOS DE LESÕES
Além de arcar com as próprias despesas, eles também precisam encarar os riscos constantes do MTB: “Tenho medo de lesões, mas nos acostumamos. Cair faz parte deste esporte”, admite o novato, que garante já estar preparado para quedas: “A gente desenvolve uma técnica para não machucar tanto quando cai (risos)”.
Já Moisés diz que a convivência com tombos começou antes do ingresso no MTB: “Nos anos 1980, competi no motocross. Mas quando fraturei a perna, migrei para o MTB”.
Talvez pela passagem em um esporte mais radical que o MTB, ele passe uma calma ao falar de lesões, que poderiam tirá-lo até do trabalho como técnico de maquinário: “Não esquento. Minha preocupação é me machucar nos treinos e não poder competir”.
Recentemente, a propósito, essa preocupação o abalou por alguns instantes. Ele recorda que seguia de Seropédica para Itaguaí durante treino noturno quando sofreu uma colisão: “Eu atropelei uma vaca, ou ela me atropelou (risos). Logo pensei: ‘Me quebrei todo’. Mas levantei e vi que estava tudo bem”, descreve o veterano, que, apesar do susto, lembra com bom humor ao se referir ao estado do animal após o acidente: “A vaca? Também saiu ilesa (risos)”.